Rui Barbosa, pelos idos dos anos 1900, dizia que “(...) justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta.” Infelizmente, a sabedoria insculpida nestes dizeres, ao invés de trazer o alento da mudança (que há muito deveria ter acontecido), profetizam a pobre e infeliz realidade do atual sistema judiciário deste país.
A perfeição pertence somente ao Criador, e a mais ninguém. Não há no mundo sistema jurídico que possa vangloriar-se de perfeito. Nunca houve e nunca haverá. E seria utopia sem sentido imaginar ou esperar o contrário. Mas o homem, afora reles criatura, soube bem criar os princípios básicos que permeiam uma nação justa: liberdade, igualdade e fraternidade.
Impossível descrever, em reduzido espaço, o quanto tais palavras influenciaram a vida de várias nações, de todos os continentes, por toda a história. No Brasil, o Preâmbulo da Constituição Federal de 1988 adotou-as por completo, como vemos: “Nós, representantes do povo brasileiro, (...) para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar (...) a liberdade, (...) a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, (...) promulgamos, sob a proteção de Deus, a (...) CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” Contudo, os princípios e os ideais básicos que regem uma sociedade não se sustentam por si só. A sobrevivência deles depende da sociedade como um todo, assim como toda a sociedade que conhecemos depende deles próprios. Morrendo os princípios, sucumbirá também a sociedade, ao passo que sucumbindo à sociedade, de nada adiantará a existência de princípios.
É neste compasso que insurge-se a necessária interferência do Poder Judiciário na garantia da prevalência dos princípios que inspiraram o surgimento da nação brasileira. É a Justiça a guardiã maior do arcabouço jurídico do país, e é para a Justiça que convergem todas as ameaças e violações aos direitos dos cidadãos. É ela quem deve de pronto repelir toda e qualquer ação ou omissão capaz de infringir as garantias e os direitos individuais e coletivos da sociedade. Por assim ser, repousam nos ombros da Justiça a defesa, em última e final instância, do Estado Democrático de Direito vigente atualmente no Brasil, derivado de uma árdua luta histórica, na qual muitos sucumbiram, ora diante da opressão ditatorial, ora diante dos devaneios comunistas de outros (que buscavam trocar uma ditadura por outra – vide a história da Coréia do Norte e de Cuba).
Clama-se ainda mais a responsabilidade da Justiça quando aqueles que, democraticamente eleitos, ao invés de defenderem o ordenamento jurídico vigente, o corrompem ainda mais. Exemplifiquemos a afirmação de forma concreta: para se auto-concederem um aumento salarial de 61,8% nos seus próprios salários e um aumento de 133,9% no salário do Presidente da República, deputados e senadores agilizaram e resumiram para poucas horas o trâmite da Lei respectiva, ao passo que a aprovação de um reajuste de míseros 6,86%, aos trabalhadores e aposentados do país remunerados com base no salário mínimo nacional - salário este, diga-se de passagem, incapaz de proporcionar uma vida digna, depende de muita negociação espúria, troca de favores, liberação de emendas parlamentares e nomeações de alguns apaniguados e correligionários para cargos públicos. E este é apenas um dos inúmeros exemplos que poderíamos citar.
Um importante filósofo da Roma Antiga, Marcus Tullius Cícero, pregava, no século I antes de Cristo, o seguinte pensamento: “Entendo que os chefes devem reconduzir tudo a este princípio: aqueles que eles governam devem ser tão felizes quanto possível.” O que passa é que na atualidade esta frase deveria vir impregnada de outro aspecto: aqueles que são governados deveriam ser tão felizes quanto os que governam. Esta deveria ser a meta de cada governante, de cada parlamentar, de cada representante do povo. Resumindo, é para isso que nossos “representantes” deveriam ser eleitos. Do contrário, o peso da responsabilidade que recai sobre o Poder Judiciário pode se tornar insuportável, desequilibrando a complicada equação que gestou, num passado longínquo, o Estado Democrático de Direito, sob o regime Republicano, da forma que hoje o conhecemos.
O maior temor repousa, contudo, no momento em que o Poder Judiciário não puder mais dar as respostas que a sociedade brasileira espera. E este temor é real, não é mito. Pode até ser improvável, mas o risco existe. Leis processuais absurdas e dúbias, leis materiais fracas e sem sentido, são alguns dos adjetivos que correspondem ao arcabouço jurídico vigente no país. De outro norte, traz desassossego um sistema jurídico em que o maior “cliente” da Justiça é o próprio Estado, aqui representado pela União (governo federal), Estados (unidades da federação – governos estaduais) e Municípios, suas empresas estatais e autarquias.
Sem medo de recorrer novamente a Rui Barbosa, importante personagem da história brasileira, que nos primórdios do século passado lecionava: “De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.” É este o pensamento que esperamos, ao final, não prospere. Cabe a todos os cidadãos não desistirem da batalha ética e moral que se aproxima. E que o Poder Judiciário seja por todos nós.
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